segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Poemas de Gregório de Matos II

PONDERA AGORA COM MAIS ATTENÇÃO A
FORMOSURA DE D. ANGELA.

Não vi em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura.
Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma Mulher, que em Anjo se mentia,
De um Sol, que se trajava em criatura.

Me matem (disse então vendo abrasar-me)
Se esta a cousa não é, que encarecer-me.
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me.

Olhos meus (disse então por defender-me)
Se a beleza hei de ver para matar-me,
Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.

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À SUA MULHER ANTES DE CASAR

Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh, não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada.

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Aos afetos, e lágrimas, derramadas na ausência da dama a quem queria bem.

Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.

Se és fogo, como passas brandamente,
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

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AO MESMO ASSUNTO E NA MESMA OCASIÃO.

Corrente, que do peito desatada

Sois por dois belos olhos despedida,

E por carmim correndo desmedida

Deixais o ser, levais a cor mudada.

Não sei, quando caís precipitada

As flores, que regais, tão parecida,

Se sois neves por rosa derretida,

Ou se a rosa por neve desfolhada.

Essa enchente gentil de prata fina,

Que de rubi por conchas se dilata,

Faz troca tão diversa, e peregrina,

Que no objeto, que mostra, e que retrata,

Mesclando a cor purpúrea, e cristalina,

Não sei, quando é rubi, ou quando é prata.

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DESCREVE O LABIRINTO CONFUSO DE SUAS DESCONFIANÇAS

Ó caos confuso, labirinto horrendo
Onde não topo luz, nem fio amando
Lugar de glória, aonde estou penando,
Casa da morte, aonde estou vivendo!
...
Ó voz sem distinção, Babel tremendo
Pesada fantesia, sono brando,
Onde o mesmo, que toco, estou sonhando
Onde o próprio, que escuto, não entendo!
...
Sempre és certeza, nunca desengano
E a ambas propensões, com igualdade
No bem te não penetro, nem no dano.
...
És ciúmes martírio da vontade,
Verdadeiro tormento para engano,
E cega presunção para a verdade.







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