domingo, 20 de julho de 2008

1.2 - O Barroco




O homem se vê entre o céu e a terra, como afirma Afrânio Coutinho em A Introdução à Literatura no Brasil: "O homem barroco humaniza o sobrenatural, ligando o Céu e a Terra, misturando os dois planos na sua vida cotidiana, sem que precise deixar de ser pícaro para participar das coisas celestiais". Ele é consciente de sua grandeza mas atormentado pela idéia de pecado e, nesse dilema, busca a salvação de forma angustiada. Os sentimentos se exaltam, as paixões não são mais controladas pela razão, e o desejo de exprimir esses estados de alma só podem realizar-se através de antíteses, paradoxos, interrogações, repetições, paralelismos, uso freqüente da ordem inversa e metáforas. A linguagem barroca é emotiva, ambígua e facilitadora de uma abertura para a acumulação e aglomeração temáticas, porque ela tende para a variedade, para o plural, sendo por isso tido como obscura.
E assim, entre os principais temas barrocos encontramos: o sobrenatural; a morte: a expressão máxima da efemeridade das coisas; a fugacidade da vida e das coisas; o tempo: visto como agente da morte e da dissolução das coisas; o castigo; o erotismo; o misticismo; cenas trágicas; o apelo à religião; o arrependimento.
Há duas tendências no estilo barroco: o conceptismo, que ocorre sobretudo na prosa religiosa do período, correspondendo ao jogo de idéias, à organização da frase seguindo uma ordem lógica e rigorosa, que visa a convencer e a ensinar; e o cultismo, que se trata do jogo de palavras na busca da valorização do texto. Um exemplo interessante do cultismo encontra-se no trecho abaixo de um soneto de Gregório de matos:
É a vaidade, Fábio, nesta vida
Rosa, que de manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
Airosa rompe, arrasta presumida.

É planta, que de abril favorecida,
Por mares de soberba desatada,
Florida galeota empavesada,
Sulca ufana, navega destemida.
Nesses quartetos o poeta explica a Fábio o que é vaidade. No primeiro quarteto afirma que a vaidade é rosa, mas não qualquer uma, é aquela lisonjeada pela manhã, ou seja, a rosa recém-aberta, em todo o seu esplendor. Portanto, o poeta pode estar dizendo a Fábio que a vaidade é a beleza aparente, que se exibe, brilha e seduz("Púrpuras mil, com ambição dourada,/ Airosa rompe, arrasta presumida.") . No segundo quarteto o poeta diz que a vaidade é planta, mas em pleno esplendor da primavera (abril é o mês de apogeu da primavera no hemisfério norte). A vaidade é, então, esplendor ("Planta, que de abril favorecida") e ornamentos ("florida galeota empavesada") que se exibem pela vida ("por mares de soberba desatada") com orgulho ("sulca ufana") e arrojo ("navega destemida"). Jogando com as palavras "rosa" e "planta", em forma de metáforas, o poeta dá concretudo ao termo abstrato "vaidade". E desta maneira que, abandonando o raciocínio da clareza lógica do classicismo, o Barroco constrói tortuosamente a tentativa de captar, através de sugestões e imagens, o que são as coisas da vida. O Barroco tenta a conciliação, a incorporação, a fusão do ideal racional ao gosto pelas coisas terrenas, carnais, cotidianas.

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